Hoje temos o prazer de ter no Blog o primeiro post escrito por um
colaborador.
O Leonardo Beltrão deixou tudo pra lá para viver um período sabático
pela Europa e pela Ásia. Após quase setenta dias de viagem, escreveu esse
relato maravilhoso sobre um dia especial. A sensibilidade do texto mostra o que
uma viagem é capaz de provocar em um viajante e nos faz lembrar exatamente
porque amamos viajar.
Boa viagem!
"estou na toscana há uns 20 dias e já passei por florença, siena,
cinque terre (que não é bem na toscana, mas é do ladinho, e me emocionei por
lá...), pisa, lucca, san gimignano, montepulciano, região de chianti,
monteriggioni, cole di val d'elsa, rapolano terme, aciano e sei lá mais quantos
lugares.
mas, hoje foi um dia especial.
primeiro, porque a semana inteira fez um frio do cacete, na madrugada
bateu -3°C e, durante os dias, a máxima foi de 2°C. hoje fez 6°C e daí já era
alegria pura usar uma blusa a menos. acordei e o dia estava lindo, sem nenhuma
nuvem no céu. tomei o café da manhã lentamente, aproveitando que nos últimos 15
dias tenho sido o único hóspede em qualquer lugar que passo. além de novembro
ser o mês mais chuvoso na itália, é a época mais fria na toscana e daí todo
mundo foge daqui. eu não. além de mineiro que topa praia no inverno, sou
viajante daqueles destemidos e que sempre leva ao pé da letra uma frase
aprendida outro dia: "já que lá tá, deixe que lá teje". cortesia da
julia branco. e então topei encarar a toscana abandonada, andar em meio às
belíssimas cidadezinhas medievais praticamente desertas, batalhar para arrumar
um lugar aberto para comer, fugir dos programas de casais e do comércio
turístico exagerado de vinhos, arrumar outros seres vivos na rua depois das 19h
para tentar conversar, acho que a única coisa que ainda não foi possível.
e aí, como todo bom mineiro e taurino com ascendente em virgem, deveras
precavido, terra, pé no chão, vim todo preparado para o frio e a solidão. mas
daí acabei dando um pouquinho de sorte também, porque assim havia de ser. chuva
mesmo, só há um tempo atrás lá em florença e em cinque terre, depois só sol. em
siena, cidade incrível também , tomei coragem e aluguei um carro... pedi um
cinquencento, sonho de consumo, mas alguém bateu o carro um dia antes de eu
pegar e aí tive de me contentar com o panda, que é tipo igualzinho o "novo
uno" do brasil. ôh tris-te-za. liguei o foda-se, não é charmoso como a
toscana, tem mais cara de bologna, mas me levaria aonde eu quisesse. e no meu
tempo, mais importante. e já em poucos metros de saída da cidade, fiquei
completamente apaixonado por cada cantinho das estradas da toscana, exatamente
como eu já tinha visto em filmes, matérias, fotografias de amigos e etc. é
lindo de morrer, nossa! e aí fui visitando várias cidades, parando sempre para
respirar, para contemplar o nada, escrever um pouquinho no ritmo lento da
toscana.
e assim estou desde segunda-feira, eu e o meu carrinho. teria muitas
outras coisas para contar, como o casal de velhinhos que me recebeu num
hotel-fazenda ao lado de san gimignano, mas eu queria falar de hoje, porque
hoje foi um dia especial. às vezes, parece que a gente espera uma viagem
inteira por momentos inesperados como este. o dia de hoje fez valer cada um dos
quase 70 dias de viagem que eu já tenho.
e então, como eu ia dizendo, acordei e tomei um café gostoso, contemplei
o lindo céu azul e a temperatura amena. peguei o carro e tomei rumo à cortona,
aquela do filme, do livro e das histórias, que é realmente encantadora. lá, que
fica no alto de uma pirambeira, fui andando, andando, andando, depois subindo,
subindo, subindo, subi até onde os turistas nunca vão, acho que nem os moradores
costumam ir lá, fui parar no ponto mais alto da cidade de onde era possível ver
a toscana inteira e também picos de neve, que são belíssimos. estava sozinho,
eu e uma igreja gigante, e foi quase um gozo estúpido que tive naquele momento.
depois desci toda a cidade e fiquei por um bom tempo na praça, um dos
personagens principais de "sob o sol da toscana", apenas entendendo
ou tentando entender o que era viver naquela cidadezinha onde eu com certeza
ficaria para sempre.
de lá, decidi passar no lago trasimento, que é de uma beleza sem fim
também. fiquei um pouco lá, mas não havia muito o que se fazer no inverno além
de contemplar e foi então que tomei rumo a san fillipo, graças a uma indicação
da carmela, a velhinha que me recebeu lá em san gimignano. cheguei a san
fillipo como quem nada quisesse e a cidade estava deserta. dei uma volta, não
vi ninguém. dei duas, já estava indo embora, quando vi uma plaquinha
"fossa bianca". ah, tá. vou parar! como quem não quisesse nada... e
aí fui andando, andando, andando, andei uns 20 minutos, sujei todo o pé de
barro, a bota nova, a calça lavada, e depois andei mais um pouco, e fui
descendo, e aí passei num riacho, e então de susto me deparei com uma das
coisas mais bonitas que já vi na vida. es-pan-to é o nome disso.
a cidade é uma terme (é assim que fala?) e tem água quente, resquícios
vulcânicos. as formações rochosas com o tempo foram ficando manchadas pela água
quente e ficaram brancas. a cachoeira é essa aqui que está na foto, nada perto
do encanto que tive em arrepios quando cheguei por lá. tirei a foto do celular,
porque a máquina eu tinha esquecido no carro. o que vale é a experiência, os
sentidos. e hoje eu não nadei, porque não estava preparado, mas amanhã cedo eu
volto lá correndo. hoje só tinha um casal, tomara que amanhã seja apenas eu.
depois disso, ainda em transe e realmente entendendo um pouco do sentido
de viajar sozinho e ter encontros comigo mesmo, parei em bagno vignoni, que é
mais recalcada e com hoteizinhos mais chiques, mas tem uma bela de uma
inusitada piscina natural de água quente na praça central da cidade! linda de
morrer... já era quase fim do dia e decidi passar em montalcino antes de voltar
para pienza, onde estou hospedado, que é uma mini-vila en-can-ta-do-ra. e para
fechar o dia mágico, porque havia de ser, já era quase 17h e peguei um
pôr-do-sol cor de infinito, vermelho-caramelo, pra encher os meus olhos de
água, como agora estão ao finalizar esse textinho sem revisão.
um vômito do meu dia feliz, porque hoje foi um dia feliz. e amanhã a
viagem continua.
daqui, vou indo ao meu encontro, espero que você também."
Leonardo Beltrão
Ps: quaisquer falhas ortográficas e gramaticais devem ser perdoadas,
pois o texto foi "vomitado" no exato momento da emoção vivenciada,
publicado imediatamente, sem qualquer revisão, e é por isso que transmite tanta
sensibilidade. Emoção pura, nua e crua.